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Durante uma dessas madrugadas de verão voltei a Chá nas Montanhas de Paul Bowles. Pincei no prefácio de Gore Vidal dois trechos alusivos ao processo de escrita de Bowles que me fizeram matutar bastante (os destaques são meus):
"Na primavera de 1945, Charles Henry Ford pediu a Bowles que editasse um número da revista View. O tema era a cultura da América Central e do Sul. Bowles traduziu alguns textos do espanhol; e escreveu ele mesmo outros artigos. "Ao ler alguns livros etnográficos com textos dos Arapech ou dos Tarahumara em traduções literais (...) me veio o desejo de inventar meus próprios mitos, adotando o ponto de vista da mente primitiva.” Ele recorreu ao “velho método surrealista de neutralizar o controle do consciente e escrever as palavras que viessem à caneta”. A primeira dessas histórias foi escrita “num domingo chuvoso”, chama-se “O escorpião”.
O conto foi bem recebido, e Bowles continuou escrevendo. “ O material constitutivo dos mitos logo se desviou do “primitivo”para o contemporâneo (...) Foi por essa inesperada e estreita porta que eu voltei engatinhando para o terreno da ficção. Há muito tempo havia resolvido que o mundo era complexo demais para, algum dia, eu ser capaz de escrever ficção; visto que eu fracassara em compreender a vida, não seria capaz de encontrar pontos de referência que o hipotético leitor pudesse ter em comum comigo.” Ele só concluiu a travessia dessa estreita porta quando escreveu “Um episódio distante” e descobriu que se a vida não era mais compreensível para ele do que antes, a prosa era. Agora dominava a arte de retratar seus sonhos.”
BOWLES, P. Chá nas Montanhas. Contos reunidos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Trad.: Rubens Figueiredo.